A história da contabilidade pública no Brasil é um campo ainda pouco explorado, mas repleto de acontecimentos significativos que moldaram a administração financeira do país.
Entre esses eventos, destaca-se a criação da Comissão das Partidas Dobradas de 1914, um marco importante na implementação e consolidação da contabilidade moderna no setor público brasileiro.

Síntese da Pesquisa
A pesquisa realizada por Tiago Villac Adde, Sérgio de Iudícibus, Álvaro Augusto Ricardino Filho e Eliseu Martins explora um capítulo crucial e pouco investigado da história da contabilidade brasileira. Com a Proclamação da República em 1889, houve uma expansão dos órgãos administrativos devido ao crescimento econômico impulsionado pela economia cafeeira. Essa expansão exigia uma burocracia eficiente, o que levou à necessidade de modernizar a contabilidade pública.
Em 1905, Carlos de Carvalho implementou a escrituração por partidas dobradas no Tesouro do Estado de São Paulo, introduzindo a contabilidade patrimonial e financeira. Apesar de a escrituração por partidas dobradas ser exigida pela legislação federal desde 1808, sua aplicação prática só começou a ser efetivada a partir da criação da Comissão das Partidas Dobradas de 1914.
A comissão foi estabelecida em resposta à pressão de credores ingleses durante a negociação de um segundo funding loan, que demandaram um balanço atualizado do Tesouro Nacional. Em junho de 1914, a Comissão das Partidas Dobradas foi formada para atualizar o balanço de Receita e Despesa e criar o primeiro balanço de Ativo e Passivo desde o período colonial.
Contexto Histórico e a Proclamação da República
Após a Proclamação da República em 1889, o país enfrentou uma década de instabilidade política que só começou a se estabilizar durante o governo do presidente Campos Sales com a implementação da Política dos Governadores.
A República trouxe um novo espírito social e econômico, alinhado com o crescimento material do país, principalmente no comércio externo. Produtos como café, borracha, cacau, mate e fumo destacaram-se nas exportações, financiadas por capitais e créditos internacionais. Esse crescimento econômico, associado à complexidade crescente da economia, exigiu um conhecimento mais rigoroso dos princípios de comércio e gestão de negócios.
“Com o advento da República, diversos atos normativos buscaram reorganizar os serviços da administração pública federal, dentre os quais os serviços elaborados pelo Tesouro Federal e pela Diretoria de Contabilidade do Ministério da Fazenda. No que tange à reorganização da contabilidade pública, destaque deve ser feito à modernização da escrituração mercantil realizada em 1905 no governo do Estado de São Paulo” (Villac Adde, et. al., 2014). O método de escrituração adotado no Estado de São Paulo foi posteriormente seguido na contabilidade federal, e por diversos outros Estados e Municípios do país.
A Necessidade de Reformas Contábeis
Antes da criação da Comissão das Partidas Dobradas, a contabilidade pública brasileira estava defasada e não acompanhava as práticas modernas de escrituração. Embora a legislação federal desde 1808 previsse a utilização da escrituração por partidas dobradas, sua implementação prática foi negligenciada até o início do século XX. Foi apenas com a pressão dos credores internacionais, durante a negociação do segundo funding loan, que a necessidade de uma contabilidade mais precisa e atualizada se tornou urgente.
“As demonstrações anteriormente elaboradas pelo Tesouro Nacional encontravam-se em completa inobservância dos mais comezinhos preceitos de contabilidade pública, tratando-se de meras estatísticas de rendas e despesa (Villac Adde, et. al., 2014). Para solucionar esse problema uma comissão do governo federal foi a São Paulo para reunião com Carlos de Carvalho, chefe da Seção de Contabilidade da Secretaria da Fazenda.
Em 1914, uma comissão do governo federal foi a São Paulo para se reunir com Carlos de Carvalho, chefe da Seção de Contabilidade da Secretaria da Fazenda. Com sua perspicácia Carlos de Carvalho percebeu rapidamente que os membros da comissão federal não estavam preparados para entender a complexa organização contábil já implementada no governo de São Paulo. Com essa visão, Carlos de Carvalho sugeriu que a melhor abordagem para reformar a contabilidade federal seria enviar dois de seus auxiliares ao Rio de Janeiro: Francisco D’Auria e Carlos Levy Magano, contando também com a participação de João Ferreira de Moraes Junior e Ernesto Le Cesne.
Criação da Comissão das Partidas Dobradas
Por ato do ministro Rivadávia Corrêa, constituiu-se, em junho de 1914, a “Comissão das Partidas Dobradas”, chefiada por Carlos Claudio da Silva, iniciando-se os trabalhos em 16 de junho de 1914. Esta comissão tinha como objetivo principal levantar tecnicamente o balanço de Receita e Despesa e elaborar o primeiro balanço de Ativo e Passivo desde o Brasil Colônia. Essa iniciativa foi crucial para modernizar a contabilidade pública, introduzindo práticas que permitiriam um controle mais rigoroso e transparente das finanças do governo.
Impactos e Legados da Comissão
A atuação da Comissão das Partidas Dobradas não se limitou ao levantamento de balanços financeiros. Ela foi o catalisador para uma série de reformas que transformaram a contabilidade pública brasileira. Entre os legados da comissão, destacam-se a constituição do Código de Contabilidade Pública em 1922 e a aprovação do regulamento da Contadoria Central da República em 1924. Estas medidas fortaleceram e deram perenidade às práticas de escrituração por partidas dobradas, estabelecendo um padrão que seria seguido pelas administrações subsequentes.
A relevância histórica da Comissão das Partidas Dobradas de 1914 é inegável. A criação dessa comissão foi um evento de importância ímpar na história da introdução definitiva da escrituração por partidas dobradas na contabilidade pública brasileira. Este episódio ilustra como a pressão externa e a necessidade interna de modernização podem convergir para promover reformas estruturais profundas.
Leia o artigo completo
A história da contabilidade pública no Brasil, exemplificada pela criação da Comissão das Partidas Dobradas, oferece lições valiosas sobre a importância da modernização e da transparência na administração financeira. Este episódio não apenas modernizou as práticas contábeis, mas também estabeleceu um legado de rigor e precisão que continua a influenciar a gestão pública até os dias de hoje. A pesquisa e a recuperação de tais momentos históricos são fundamentais para compreender a evolução das práticas administrativas e para inspirar futuras reformas.
O estudo da Comissão das Partidas Dobradas de 1914 não só enriquece a literatura sobre a história da contabilidade pública no Brasil, mas também serve como um exemplo de como a inovação e a adaptação às necessidades emergentes podem transformar profundamente uma área vital da administração pública.
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Fonte: Adde, T. V., Iudícibus, S. D., Ricardino Filho, Á. A., & Martins, E. (2014). A comissão das partidas dobradas de 1914 e a contabilidade pública brasileira. Revista Contabilidade & Finanças, 25, 321-333. https://doi.org/10.1590/1808-057x201412030